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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

OS DILEMAS DE JOSNELSON - PARTE 6

O(s) sabor(es) da vida loka

Quando achei que as coisas estavam tranquilas, que teria mais um ano escolar bacana pela frente e que tudo correria bem, eis que levei o golpe. A empreiteira que meu pai prestava serviço faliu e meu avô estava sendo prejudicado pelo plano Collor (procure no Google o que foi isso, caso não saiba). Esta união de desgraças refletiu em mim e precisei trocar mais uma vez de escola, só que agora amiga(o), fui para uma escola pública estadual. Como na fase de matrículas na rede pública minha família ainda não sabia que eu precisaria trocar de escola acabei entrando por milagre. Só que isso teve um preço, fiquei mais uma vez numa turma de repetentes, e como se não bastasse, desta vez a diferença de idade era enorme. Na turma tinha alunos com quinze e até dezesseis anos, eu tinha nove para dez. Alguém pode imaginar como isso pode ser possível?
A maior parte dos meus colegas eram moradores de vilas da redondeza e isso era novo para mim no ambiente escolar. Para meu espanto o pessoal foi bem mais receptivo, parece que o fato de ser mais novo, bem mais novo, e o de poder ser um nerd playboy não fazia diferença desde o início do ano. As gurias me tiravam para ursinho de pelúcia, acho que por conta da minha cara de bebê e porque era muito bonitinho. Comecei a perceber como era bom  estar no meio delas. Isso já era motivo para zoação na turma e pela primeira vez na vida era ótimo ser o centro das atenções.
No decorrer do ano fui fazendo amizades que proporcionaram  um aprimoramento da minha “malandragem". A essa altura já tinha perdido o “cabaço” no quesito “matar” aula. Quem de vocês já matava aula aos dez anos? Mas quero que fique claro que o fato de o pessoal ser pobre não é o motivo total das atitudes dessa natureza. Contribuiu bastante o fato de não haver um rigor maior e controle dos alunos naquela escola. Eu já fazia parte do bando e era considerado o mascote da galera, aliás, isso foi uma tônica na minha trajetória durante um bom tempo. Acho que tive essa facilidade de interagir com o pessoal da periferia porque sempre morei em bairros mistos (pobres e ricos), digamos assim, e transitava em todas as frentes sem problemas, mas como já relatei, em ambiente escolar foi a primeira vez. Estava enturmado e me sentia bem, e por mais que fosse mais novo o pessoal me respeitava, até porque tinha uma grande afinidade com o líder do bando, o que facilitava tudo. Talvez ele tenha me tirado para irmão caçula, sei lá. Achava essa nova vivência o máximo e não me preocupava com o por quê!
Mas como nem tudo na vida são flores, precisei pagar um preço alto por essa realização pessoal. Acabei dispensando muita energia para o social junto à raça (galera) e desconsiderei totalmente as aulas. Dessa forma o resultado seria um só, reprovação, e foi o que aconteceu pela primeira vez. Isso foi muito traumático porque eu sabia que tinha plenas condições de passar, ainda mais numa escola pública. Tentem imaginar como foi impactante para mim e para família a notícia da reprovação do gênio. Quem desconfiaria que o aspirante a prodígio sucumbiria e falharia estudando numa escola pública?
Alguém pode julgar meus pais que não perceberam a tempo essa transformação que culminou na reprovação. Pois bem, nunca fui de escrever e meus pais sabiam disso, como também sabiam que nunca foi problema para mim. Se tu não tem um caderno pra usar de referência para fiscalizar o filho e a escola não faz questão nenhuma de contatar os responsáveis para fazer um esclarecimento das coisas que estão acontecendo, fica difícil perceber a mudança. O pior é que na entrega das avaliações eu falava para minha família que estava tudo tranquilo e que não tinha com que se preocupar, assim não iam à escola porque confiavam muito em mim. Traí demais a confiança deles nessa época, o que me rendeu muitos dissabores desta fase em diante.

Josnelson estava aprendendo cada vez mais que toda ação gera uma reação nem sempre agradável e que pode ser irreversível. O fogo amigo estava agindo mais uma vez!

Por João Gonçalves Neto

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OS DILEMAS DE JOSNELSON - PARTE 5

Mais do mesmo

Chegando a nova escola, tentei ser o menos brilhante possível para não chamar muito a atenção. Acontece que esse tipo de coisa não dá para dominar e quando tem que ser a coisa acontece mesmo. Tudo começava sempre pelo fato de nunca escrever nada e ir super bem nas provas. Isso incomodava os professores porque eu ficava ocioso em sala de aula e fazia muita “arte”. A partir daí o bicho pegava e como diria Galvão Bueno, “Haja coração!”. Mais desprezo, mais olhares estranhos e mais tristeza no coração do piá. Passei de ano e troquei mais uma vez de escola, sendo que todas elas eram particulares. No primeiro dia de aula na quarta série, na hora da chamada, a professora Mariléia de matemática, ao ler meu nome, me olhou e disse:
- Eu já ouvi falar de ti. Na minha aula tu vai fazer as coisas como tem que ser feitas e sem bagunça. Trata de te ocupar e copiar tudo.
Foi um ultimato de cara sem chance para resposta. Me senti acuado pela própria professora. Mas no decorrer do ano percebi que isso poderia ser benéfico e adotei uma nova estratégia, a de fazer (ou tentar fazer) como ela queria e aos poucos fui perdendo um pouco da minha sagacidade, sem perceber. Os colegas me tratavam normalmente e para mim estava tudo muito certo. Apenas no final do ano que fui ver o resultado da minha estratégia, fiquei em recuperação pela primeira vez na vida adivinha em que matéria? Matemática. Passei de ano no sufoco, mas estava feliz porque dessa vez tinha amigos. Preferi amar e ser amado e preteri algo mais narcisista, como ser o melhor da turma, por exemplo.


            Pelo visto as coisas estão começando a dar certo para Josnelson.
            O que será que vem por aí?!
            Vooolllltaremos!

            Por João Gonçalves Neto

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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

OS DILEMAS DE JOSNELSON - PARTE 4

                                                         O ônus do gênio

Como já vimos, o jardim de infância foi responsável por abrir meus olhos aos fatos, o que me proporcionou uma compreensão da “nova” realidade que emergia. Mal eu sabia que era só o início de várias transformações na minha, até então, curta vida.
Após o jardim fui para uma escola particular mantida por uma congregação de irmãs às custas dos bolsos alheios, ou seja, de pais e mães de alunos. Nessa época minha composição familiar era a mesma e a situação financeira também. Eis que (re)começou minha sina, mas não era nada relacionado a grana, por incrível que pareça. Chamaremos esse momento de “Ônus do gênio”.
 Acontece que na primeira série cometi um grande erro. Era uma linda tarde de sol no final do segundo bimestre e a professora, depois de uma breve explicação, escrevia no quadro um exercício para ser resolvido depois de uma nova explicação mais detalhada. Eu nunca copiava no caderno o que era pedido pela professora e naquele dia não foi diferente. Só que desta vez fui longe demais e no meio da aula me deitei no chão ao fundo da sala de aula e comecei a cantar uma musica que estava bombando na época. Foi a maior algazarra e a turma ficou muito dispersa. A professora veio em minha direção, olhou meu caderno e viu que não tinha nada escrito. Me levantou do chão e falou:
- Já que és tão gracioso quero ver tu ser engraçado no quadro resolvendo os exercícios que escrevi.
Entre risadas dos colegas e ordens da professora para que todos ficassem calados fui até o quadro negro, que era verde. Nesse momento eu cavei minha própria cova porque respondi tudo corretamente e deixei a professora soltando fogo pelas ventas. Mal eu imaginava que a professora ia ser o meu menor problema daquele dia em diante.
O fato se tornou público e tomou os corredores da escola até chegar à sala dos professores. Lá alguns professores já tinham conhecimento do meu rendimento em sala de aula e achavam espetacular um guri que entrou com cinco anos na primeira série (esqueci de mencionar isso) não precisar escrever nada.para aprender o conteúdo. Aquele episódio foi a gota d’água que  a professora precisava para que houvesse uma mudança radical e  acabaram me trocarando de turma. Menos mal que me colocaram numa sala onde a professora era uma ótima pessoa. Mas tinha um grande problema, a turma era formada por repetentes, e como eu tinha apenas cinco anos a diferença de idade e de “inteligência” se acentuou ainda mais. Da pra imaginar como eu era tratado pelos colegas. Eles me olhavam como se eu fosse um monstrinho que surgiu ali e muitos ficavam revoltados comigo. Quase apanhei inúmeras vezes, sorte que tinha o mano estudando na mesma escola.
Mas mesmo com todas as adversidades eu continuei me puxando no aprendizado, da mesma maneira de antes, e de repente minha família e algumas professoras decidiram tentar me colocar direto na terceira série no ano seguinte. Esse foi mais um fato que voou pelos corredores e salas de aula da escola. A partir deste momento, quando eu passava não eram só meus colegas que me olhavam diferente. Os outros alunos, pais e funcionários da escola também me comiam com os olhos e cochichavam sem parar.  Comecei a me sentir um monstrinho de orelha e a essa altura do campeonato não tinha nenhum amigo para conversar. Por conta de tudo isso desejei tanto não ter esse dom em muitas ocasiões, pois estava sofrendo uma espécie de bullying, se não o próprio “marvado” do bullying que nem se sabia que existia. Eu queria tanto jogar futebol com a pirralhada, brincar de pegar ou outras coisas e eles fugiam de mim. Alguns até queriam ser como eu, mal eles sabiam a tristeza e solidão que isso causava.
Quando já estava quase me resignando com a situação, para minha alegria, foi recusado pela secretaria da educação o pedido  de me mandararem para terceira direto e no ano seguinte eu passei “apenas” para a segunda série. Então acabei ficando com menos um dos trinta olhos que parecia que eu tinha e começaram a me tratar um pouco melhor. O que não foi suficiente porque no outro ano eacabei mudando de escola, afinal, eles não iam esquecer tão cedo tudo que aconteceu.

Será que a mudança de ambiente vai alterar alguma coisa para Josnelson?
Não perca a parte 5 do "Dilemas".
Posso adiantar apenas uma coisa, no final a culpa sempre é do mordomo.

Por João Gonçalves Neto

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OS DILEMAS DE JOSNELSON - PARTE 3

Adeus inocência

Visto o perfil da minha família passamos para o momento em que comecei a perceber a que discursos e paradigmas estava sendo submetido. Tinha uns quatro anos e morava numa casa de aluguel, feita de madeira, onde boa parte da vizinhança tinha pouca grana e ao mesmo tempo haviam alguns vizinhos muito abonados. Como já falei, não era nem muito rico nem muito pobre, pois quando tudo acontecia conforme o previsto com o trabalho do meu pai rolava uma boa grana mensal. Em compensação quando falhava ou ocorria algum imprevisto a coisa ficava russa. Para se ter uma ideia de como era a minha realidade meu pai tinha um automóvel (que estava longe de ser zero), sempre tive comida na mesa, andava sempre bem vestido e tinha uma vida social agradável, mas sem muitos excessos. Mas como já frisei, a casa era de aluguel e o meu pai era mestre de obras.
Nessa época fui para o jardim de infância numa escola particular. Não era muito comum naquele tempo crianças passarem primeiro por esta fase para depois ingressar na escola. Na maioria das vezes só quem tinha uma condição financeira razoável usufruía desse privilégio. Experiências deste tipo ajudaram a criar a ideia de que realmente eu estava numa posição diferente das demais crianças que não frequentavam o jardim de infância. Mas como essa faca se mostrou de dois gumes, essa situação também me mostrou  que haviam crianças com mais grana que eu. Tu pode estar te perguntado como é que um piá pode ter noção de tudo isso aos quatro anos. Como falei lá no início, minha imaginação e inteligência me favorecem e  sempre fui considerado pelos adultos um prodígio.
A partir deste momento comecei a ver os fatos de uma maneira diferente, eu percebi que podia ter e fazer determinadas coisas que algumas crianças não podiam e algumas crianças também já percebiam que podiam ter e fazer algumas coisas que eu não tinha condições.
A união dessa nova percepção com as experiências que tive resultou na sina social que dura até hoje na minha vida. Para ser mais específico, quando me relacionava com pessoas menos abastadas que eu me chamavam de “playboy” e ao andar com os mais ricos, por não conseguir acompanhar o ritmo da magrinhagem, ouvia algumas letras e por vezes era escanteado, deixado de lado, pelo fato de não estar no mesmo “nível” que eles. Cara! Isso deixa qualquer um desorientado. Mas esses dilemas e as experiências que eles me renderam vou deixar para contar depois. Até a próxima!

Por João Gonçalves Neto

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